1. Apresentação de Bernardo Élis

Investigador inteligente a diligentíssimo, Paulo Bertran tem revirado e rebuscado o rebotalho de nossos arquivos, depois dos saques a que os submeteram amigos historiadores, colhendo muita coisa valiosa, pois é norma consagrada que nossa curiosidade está na razão direta de nossa cultura. Além disso tem sido incansável na descoberta de papéis esquecidos nos valiosos arquivos de além-mar e que novas luzes deitam à história goiana.

Porque essa história de pesquisa é muito importante. O autor verdadeiramente dotado do dom de pesquisar quase que intui, adivinha quase os acontecimentos, por indícios subtilíssimos que a tecnologia não pôde ainda ensinar, mas que, graças a um instinto especial, o pesquisador fareja e detecta como o faz Paulo Bertran. Retirado do prefácio da primeira edição do livro História da Terra e do Homem no Planalto Central.

 

2. Apresentação de Cristovan Buarque.

“Bertran não limitou-se porém a um recorrido bibliográfico e conseqüente descrição do fenômeno de seu estudo e o segundogrande mérito de seu livro é a abrangência analítica. Graças a isso, situou a região dentro do contexto da economia brasileira e internacional. Ao fazer assim, o autor evitou o grave erro de historiadores menos formados, que têmvida própria no seu objeto de estudo. Graças à sua formação teórica, foi capaz de entender e descrever a economia do Centro-Oeste desde o início, como parrte de um processo econômico mais amplo do capitalismo brasileiro e mundial.” Retirado do livro “Uma Introdução à História Econômica do Centro-Oeste do Brasil” – 1988 (Prêmio Literário do Instituto Nacional do Livro – INL – 1989).

 

3. Apresentação de Antonio César Caldas Pinheiro

Esta era sempre a resposta que Paulo Bertran me dava, quando, ao telefonar-lhe nestes últimos três anos, lhe perguntava como estava, como ia a vida. E será sempre esta a lembrança que terei dele: um homem sempre em estado de graça, apaixonado por Goiás, pela História, pela natureza. Um homem que, apesar das vicissitudes da vida, soube escolher o lado telúrico do existir, fazendo-se simples, desprovido, amigo, sensível.

Minha convivência com Paulo Bertran se deu quando eu ainda trabalhava no Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Paulo, amiúde, lá estava, sempre a lidar com os alfarrábios e outros documentos, escarafunchando os meandros da memória goiana, divagando pelo tempo, investigando os vestígios do passado. Nossa amizade começou aí. Estava eu em um cargo de comissão, ganhava exatos um salário e meio e me apertava entre o trabalho em dois períodos e “bicos” para aumentar o orçamento, sendo secretário executivo da Academia Goiana de Medicina, exercendo minhas funções na hora do almoço e à noite. Paulo me via naquela correria. Sabia e testemunhava, no dia-a-dia a minha curiosidade histórica, minhas pesquisas sobre Goiás. Conversávamos muito sobre os documentos que encontrávamos, as incógnitas da história e historiografia goiana. Discutíamos sobre os livros recém-lançados. Dialogávamos sobre os personagens do passado goiano e quem nos visse conversando, acharia que estávamos tratando de assunto atual, a respeito das comezinhas coisas do cotidiano.

Recordo-me claramente. Paulo convidou-me para visitarmos o escritor Bernardo Élis. Na volta, na Avenida Goiás, onde resido, paramos, descemos do carro e continuamos as elucubrações sobre o passado, assunto que havíamos encetado em casa de Bernardo Élis. Em dado momento, Paulo me disse que o Padre José Pereira de Maria, grande amigo de Goiás, tencionava fundar um instituto que pudesse congregar as fontes para a história de Goiás e que o convidara para estruturar e organizar este instituto. Paulo, então, convidou-me para trabalhar nesta nova casa da memória que foi fundada cerca de um ano depois, em março de 1996. Assim, o IPEHBC -Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, da Universidade Católica de Goiás, do qual Paulo Bertran foi o primeiro Diretor,  começou a servir à coletividade, concretizando o sonho de D. Antônio Ribeiro de Oliveira, então Arcebispo de Goiânia, Padre José Pereira de Maria, à época vice-chanceler da Universidade Católica de Goiás, e Paulo Bertran, o grande conhecedor da história de Goiás, pesquisador de mérito e que conhecia as dificuldades da pesquisa histórica em Goiás, devido à dispersão das fontes.

Paulo Bertran estruturou o IPEHBC, adquirindo os primeiros acervos. Foi o responsável pela elaboração do Projeto Resgate da Documentação Histórica da Capitania de Goiás no Arquivo Ultramarino de Lisboa, realizado no âmbito do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, do Ministério da Cultura. Este projeto, do qual fiz parte, trouxe para Goiás toda a documentação colonial goiana, fornecendo aos pesquisadores de nossa história um verdadeiro manancial de informações acerca de Goiás no século XVIII e começos do XIX. Paulo Bertran, que várias vezes teve de ir a Lisboa para pesquisar, tinha este grande sonho, o de trazer para Goiás, em cópias, aquela documentação. Porém, quando da realização formal do Projeto, de agosto de 1998 a outubro de 1999, Paulo não era mais Diretor do IPEHBC, pois tinha se mudado para Brasília, tendo o novo Diretor, Professor José Mendonça Teles, dado continuidade à sua realização. Quando ainda no IPEHBC, Paulo Bertran organizou a Notícia Geral da Capitania de Goiás em 1783, publicada em 1997.

De tempos em tempos nos encontrávamos, quer em Brasília, quer em Goiânia. Em Portugal, quando eu lá estava trabalhando com a documentação goiana, enviou-me o seu livro Cerratenses, maviosas construções poéticas sobre o cerrado e seu povo sertanejo. Falávamos ao telefone acerca dos documentos encontrados, novos “vestígios” que contribuiriam para o conhecimento de nossa memória. Ultimamente o visitei várias vezes quando trabalhava na elaboração de um livro sobre Palmeiras de Goiás. Estava sempre em estado de graça, junto a sua companheira, amiga e inseparável colaboradora nos últimos anos, Graça Fleury, a quem de imediato me afeiçoei, admirando o carinho e delicadeza com que se dedicava a Paulo Bertran.

Falar de Paulo Bertran me emociona. Devo muito a ele! Hoje, quando encontro algum dado histórico, lembro-me imediatamente deste amigo e quedo-me aturdido, sem poder, fisicamente, comunicá-lo a ele. Porém, não me entristeço. Sua vida, a rede de amigos que deixou, a sua forma de ser: calmo, pacato; seu riso farto, sem ser por demais expansivo, sua mansidão! Tudo isto no-lo diz em estado de graça, comunicando-se conosco por meio do sentimento, liame que a parca não pode romper, por ser constituído de amor, amizade, carinho e gratidão, sentimentos que desafiam o tempo, as dimensões e duram para a eternidade.

4. Apresentação de Paulo José Cunha

Em reportagem na TV Senado, em 2005, logo após seu passamento.

Eu, por mim, não acredito em jornalistas e tenho boas razões pra isto. A primeira é essa mania que eles têm de só acreditar na realidade. Ô raça! Outro dia li nos jornais e vi na TV notícia da morte do historiador Paulo Bertran. Notícia mentirosa, sem base nem fundamento. Como acreditar que morreu, se é possivel vê-lo a qualquer hora em todo palmo de sertão goiano, no adobe de cada casa de fazenda, no colorido de cada flor do cerrado? Como acreditar em Bertran não está mais aqui, se o horizonte do planalto continua a nos acolher, a cada alvorada? É fácil encontrá-lo: ele está presente em cada figura do “homo cerratensis”, os filhos do cerrado, que a gente encontra ali no calçadão do Conic. Ele mora debaixo de cada rocha desses matos, onde estudou nossas origens mais remotas. Bertran está na cidade perdida dos Pirineus, na Vila Boa de Goiás, em Goiás Velho, em cada cavaleiro mascarado das cavalgadas de Pirenópolis. Sua imagem serena escorre pelo ribeirão do Gama, flutua no córrego do Guará, salta pelas cachoeiras do Paranoá. Sua lembrança se perde nas matas do Vicente Pires, no chapadão de Taguatinga, nas sesmarias do Planalto Central. De tanto revirar este chão, Bertran guardou-se no barro vermelho do cerrado, virou Anhaguera, pé rachado, curupira. É…. tem gente que não morre. Paulo Bertran, de tanto que não morreu, converteu-se em poeira de velhos papeis, virou ouro do descoberto, virou lenda. E as lendas, jornalistas, aprendam: são muito mais verdadeiras do que a realidade.